PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO
8ª Vara do Trabalho de Manaus

PROCESSO: 0011733-54.2013.5.11.0008

RITO: ORDINÁRIO

RECLAMANTE: WALDOMIR DE ANDRADE LIMA

RECLAMADA: CARREFOUR COMERCIO E INDUSTRIA LTDA

 

SENTENÇA

No dia 26 de janeiro de 2015, nesta cidade de Manaus, a Juíza do Trabalho Substituta, SHIRLEY APARECIDA DE SOUZA LOBO ESCOBAR, proferiu a seguinte sentença:

I - RELATÓRIO

WALDOMIR DE ANDRADE LIMA, já devidamente qualificado nos autos, ingressou com reclamação trabalhista em face de CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, na qual postula o pagamento de um plus salarial em decorrência de acúmulo de função e o pagamento de indenização por danos morais em razão de assédio moral. Requer ainda os benefícios da justiça gratuita e retenção de honorários advocatícios.

A reclamada devidamente notificada apresentou contestação (Id deb89e3), arguindo preliminarmente a inépcia da petição inicial e como prejudicial de mérito a prescrição quinquenal. Pugnou pela total improcedência da ação.

A alçada foi fixada no valor líquido da inicial.

Foi produzida prova documental.

O reclamante arrolou duas testemunhas.

Em audiência foi colhido o depoimento do reclamante e das testemunhas.

Alegações finais pela reclamada e remissivas pelo reclamante.

Infrutíferas as propostas conciliatórias.

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente

Da Inépcia da Petição Inicial

O art. 840 da CLT, disciplinando acerca da petição inicial trabalhista, exige apenas breve exposição dos fatos e os pedidos decorrentes destes, o que foi plenamente atendido pelo autor.

Ao contrário do entendimento da reclamada, o reclamante não postulou pagamento de intervalo intrajornada, apenas mencionou o seu horário de trabalho. Ademais, a petição inicial dos presentes autos cumpre as exigências mínimas contidas no citado texto legal, possibilitando o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, como de fato fez a demandada.

Rejeito, pois, a referida preliminar.

Prejudicial de Mérito

Prescrição Quinquenal

A reclamada arguiu oportunamente a prescrição quinquenal à pretensão do reclamante.

Assim, acolho a alegação para pronunciar a prescrição quinquenal dos créditos anteriores a 02 de dezembro de 2008, exceto quanto às parcelas de natureza declaratória, para as quais não há aplicação da prescrição (analogia do artigo 11 da Consolidação das Leis do Trabalho e artigo 205 do Código Civil Brasileiro) e FGTS cuja prescrição é trintenária.

Mérito

Acúmulo de Função

O reclamante pleiteia o pagamento de um plus salarial, alegando que apesar de exercer a função de vendedor de eletrodomésticos, também exercia concomitante as funções de repositor, estoquista, testador, sub gerente e empilhador.

A reclamada impugna o pedido, alegando que o reclamante jamais exerceu função diferente das constantes na sua ficha de registro. Aduz ainda que o reclamante exerceu somente as tarefas atinentes às suas funções e eventuais tarefas decorrentes do desdobramento da principal.

O reclamante trouxe duas testemunhas. A primeira testemunha, Sr. Fabio dos Santos Paes, afirmou que "(...) era vendedor; que desde o inicio do contrato, além das atividades de venda, também fazia reposição de mercadoria, estoquista, testar os produtos para o cliente; que também atendiam clientes para dúvidas dos produtos e garantias (...); que todos os vendedores faziam as mesmas atividades (...)".

A segunda testemunha, Sr. Jonas Nascimento Xavier, afirmou que "(...) era vendedor; que tinha que fazer serviços de estoque, reposição, testar produtos, organizar o depósito, pilotar a empilhadeira; que todos os vendedores faziam as mesmas atividades que o depoente; que todos os vendedores, de acordo com a escala, realizavam as atribuições dos gerentes quando eles não estavam na loja (...)".

Como se observa, as atividades de repositor, estoquista, testador, sub gerente e empilhador eram realizadas por todos os vendedores da loja, dentro da jornada de trabalho, inclusive a atividade de sub gerente era realizada por todos os vendedores, de acordo com escala estabelecida. Isso demonstra que as atividades desempenhadas pelo reclamante eram perfeitamente compatíveis com a sua condição pessoal, consoante literalidade do artigo 456, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, motivo por que não faz jus a acréscimo remuneratório.

Não caracteriza acúmulo de função, a atividade exercida em caráter suplementar da função principal, sobretudo quando não há ajuste expresso entre as partes contratantes que limite as atividades da função contratada. Inteligência extraída do parágrafo único do art. 456, da CLT.

Na verdade, há uma cultura de especialização rígida, nos moldes dos históricos modelos fordista e taylorista, onde larga parcela de trabalhadores acredita que sua função é absolutamente monodiretiva e pontual, e daí criou-se essa cultura de que o simples exercício de uma atribuição, geraria o direitos a um plus salarial.

Importante relembrar que nos termos do parágrafo único, do artigo 456, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, não havendo cláusula contratual expressa a tal respeito, pressupõe-se que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal - razão pela qual não prevalece o argumento da parte calcado apenas na função desempenhada.

Ainda, o artigo 444 da CLT prevê que as relações de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre as partes.

Diante desse cenário é importante relembrar os chamados instrumentos de justiça salarial que possibilitam ao juiz alterar o salário que a princípio é de livre estipulação entre as partes, quais sejam: a equiparação salarial, o desvio de função e o acúmulo de função.

O acúmulo de função não encontra previsão expressa em lei, demandando para sua caracterização, dentre outros fatores, que haja uma alteração do contrato de trabalho que imponha ao trabalhador o exercício de outras tarefas além das inicialmente contratadas.

Nos termos do parágrafo único do artigo 456 da CLT, tem-se que na falta de prova ou cláusula expressa a tal respeito, deve se entender que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

No presente caso tanto o Reclamante quanto as testemunhas deixaram certo que o leque de atribuições foi o mesmo desde o início do contrato, ou seja, não houve alteração contratual.

A jurisprudência do C. TST aponta o seguinte:

RECURSO DE REVISTA. ACÚMULODE FUNÇÕES. A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que o exercício de atividades diversas, compatíveis com a condição pessoal do trabalhador, não enseja o pagamento de acréscimo salarial por acúmulo de funções, restando remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho. Nesse contexto, não caracteriza alteração lesiva o exercício concomitante das funções de motorista e cobrador dentro da mesma jornada. (...) Processo: RR - 20540-11.2007.5.04.0221 Data de Julgamento: 09/05/2012, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/05/2012

RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS - ACÚMULO DE FUNÇÃO (violação ao artigo 468, da CLT e divergência jurisprudencial). A Consolidação das Leis do Trabalho não obsta que um único salário seja fixado para remunerar todas as atividades executadas durante a jornada laboral, sendo que o exercício de atividades diversas, compatíveis com a condição pessoal do empregado, não enseja o pagamento de plus salarial por acúmulo de funções, restando remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho. Recurso de revista conhecido e desprovido. (...)Processo: RR - 512100-73.2007.5.09.0594 Data de Julgamento: 02/05/2012, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/05/2012.

Por todo o exposto, julgo improcedente o pedido de pagamento de diferença salarial e reflexos baseada em acúmulo de função.

Indenização por Danos Morais- Assédio Moral

O reclamante alega que a partir de setembro de 2012 passou a sofrer perseguições pela reclamada, por intermédio de sua gerente Sra. Tereza Cristina do Rosário. Sustenta que era obrigado a realizar tarefas alheias ao seu contrato, era obrigado a se deslocar do local de vendas para o estoque e em função disso teve redução no seu percentual de comissão. O reclamante noticia ainda que informou a gerente que estava doente e não poderia realizar atividades alheias ao seu contrato de trabalho, em razão disso foi transferido para outra loja, sendo que ficou com seu código de venda bloqueado por um mês, o que o impossibilitou de efetuar vendas, gerando prejuízo na sua remuneração. Afirma que no intuito de prejudicá-lo, a reclamada concedia-lhe folgas nos dias mais movimentados, o que acarretava redução na sua comissão mensal. Aliado a isso, sofria com as pressões e ameaças constantes de demissão. Em razão do exposto, requer o pagamento de indenização por danos morais decorrente de assédio moral.

A reclamada refutou as alegações da parte autora, argumentando, em suma, que a transferência de loja é realizada de acordo com a conveniência e oportunidade, estando dentro do poder diretivo do empregador. Sustentou que o reclamante não carregava peso, uma vez que havia empilhadeira para transportar os eletrodomésticos mais pesados. Alegou que não houve qualquer perseguição ao reclamante e por tais razões requereu a improcedência da indenização postulada.

O dano moral consiste na lesão provocada aos interesses ou bens imateriais do indivíduo, tais como a honra, a privacidade, a intimidade, a saúde, a integridade física dentre outros, que, consequentemente, traz dor, angústia, aflição, humilhação, enfim uma série de perturbações emocionais que diminuem a autoestima da pessoa. O dano moral atinge a esfera íntima da vítima, causando lesões subjetivas que nem sempre são possíveis de identificar. Essas lesões podem ocorrer através da prática ou omissão de algum ato.

Convém recordar, porque oportuno, que o dano moral, na modalidade de assédio moral, também conhecido como hostilização no trabalho, ou assédio psicológico no trabalho, "psicoterror", "mobbing", "bullying" ou "harcèlement moral", trata-se de uma conduta abusiva, caracterizada por gestos, palavras, comportamentos e atitudes que atentem, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo sua posição de trabalho ou deteriorando o ambiente de trabalho.

No assédio moral, espécie da qual o dano moral é gênero, há a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas, portanto, abusivas, que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura.

O assédio moral do trabalho pode ser considerado como a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o, inclusive, a desistir do emprego.

Essa humilhação é, sem dúvida alguma, considerada um sentimento de ofensa e constrangimento a atrair a degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização do trabalho.

Importante ressaltar que há uma diferenciação entre as formas aceitáveis de cobranças pelos chefes do assédio moral. Tais pressões são racionais e dotadas de liderança saudável, quando se objetiva, de maneira humana e racional, o sucesso no mundo dos negócios, com resultados econômicos e sociais favoráveis ao trabalhador e a sua comunidade, desde que obedecidos os limites necessários.

O assédio é demonstração de abuso de poder, cujo risco é inerente a quem confere poder a outro empregado na hierarquia organizacional, o que implica responsabilidade objetiva do empregador. Então, se o preposto da reclamada assediou moralmente seu subordinado, o empregador é quem diretamente responderá, por culpa, pela indenização. Nesses termos, o artigo 932, inciso III, do novo Código Civil Brasileiro determina a responsabilidade do empregador pela reparação civil por atos praticados por seus empregados, serviçais ou prepostos, no exercício das atividades que lhe competirem ou em razão do trabalho.

O poder de direção do empregador tem limites, sendo certo que o empregador, ao permitir a prática de condutas abusivas e vexatórias em face do empregado, viola a dignidade do trabalhador, infringindo o art. 1º, III, art. 5º, XLII e art. 7º, XXX, todos da nossa Carta Magna.

Por fim, a comprovação real e concreta da lesão deve provocar dano efetivo ao ofendido.

A honra é subjetiva e por isso, o dano decorrente de sua violação é sentido em gradações diferentes, dependendo da pessoa de cada ofendido.

No caso em tela, o autor baseia o seu pedido porque entendeu caracterizado o assédio moral por parte de sua superiora hierárquica, causando-lhe prejuízos de ordem moral, contudo, não há provas nos autos da alegada conduta culposa ou dolosa por parte do empregador a ensejar pagamento de indenização por danos morais.

Cabe destacar que a testemunha arrolada pelo obreiro, Sr. Fábio dos Santos Paes, afirmou que (...)"tem conhecimento que acontecia de um grupo de vendedores estar conversando e quando outro vendedor chegava paravam de conversar, que isso não acontecia somente com o reclamante; que acontecia com o depoente e outros vendedores; que não sabe porquê isso acontecia; que no inicio não havia esses fatos, pois estavam se conhecendo porque a loja era nova, mas à medida que foram se conhecendo os grupos se formaram e de acordo com o posicionamento de cada um, eram admitidos ou excluídos do grupo."

A mesma testemunha ainda afirmou que (...) "nas hipóteses que tinha possibilidade de venda de grande quantidade de produto que não estivesse disponível na loja, mas constando no sistema em outra loja precisava pedir autorização para a gerente; que às vezes a gerente autorizava e às vezes não; que sentiu uma pequena diferença de tratamento da gerente Sra. Cristina em relação ao reclamante e outros vendedores; que essa diferença consistia na maneira de dialogar; que sentia que a Sra. Cristina tinha simpatia por alguns vendedores e nem tanta simpatia por outros (...); que desconhece se alguém foi punido por se recusar a exercer as outras atividades; que nunca presenciou a gerente Sra. Cristina tratando o reclamante mal".

A segunda testemunha arrolada, Sr. Jonas Nascimento Xavier, quando questionado acerca das transferência de lojas, afirmou que (...) "a política de transferência não era clara e nem sempre era para a loja mais perto da sua casa".

Pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo reclamante não restou configurado  a prática de assédio moral. O panorama trazido pelas testemunhas refletem as dificuldades corriqueiras dos relacionamentos humanos uma vez que em qualquer agrupamento humano as pessoas terão maior ou menor simpatia pelas outras.

A prova documental (fichas financeiras) não confirmam a tese do reclamante de que a partir de setembro de 2012 passou a ser perseguido e teve redução de sua comissão. No mês de setembro de 2012 o Reclamante teve proventos acima de sua média uma vez que auferiu R$ 4.714,59, sendo que o mesmo ocorreu no mês de outubro de 2012 quando auferiu R$ 6.078,36. Nos meses de novembro e dezembro retornou à média anterior.

Para melhor esclarecer o exposto registro as comissões do reclamante em 2013. No mês de junho R$ 2.686,15; no mês de julho R$ 1.850,98; no mês de agosto R$ 2.335,58; no mês de setembro R$ 4.714,59; no mês de outubro R$ 6.078,36; no mês de novembro R$ 1.848,44; no mês de dezembro R$ 3.322,93.

Ao ser transferido para outra loja, conforme previsão contida no contrato de trabalho, o reclamante com exceção do mês de fevereiro/2013 manteve média de comissões entre R$ 1.758,81 a R$ 2.948,02.

No mês de fevereiro, de fato, as fichas financeiras evidenciam que o Reclamante recebeu R$ 1,78, entretanto, tal fato ocorreu em um único mês o que afasta o seu caráter de assédio moral que demanda a repetição da conduta e por um certo tempo.

É fora de questão que a Reclamada errou no mês de fevereiro de 2013 ao pagar ao Reclamante somente R$ 1,78, entretanto, a reparação de tal prejuízo material não encontra ampara no dano moral decorrente do assédio moral.

Para responsabilização do empregador é imprescindível a prova do fato causador do dano, da conexão entre estes e da culpa, como prevê os arts. 927 e 186 do CCB, cujo ônus acerca do fato constitutivo cabe à parte autora, do qual não se desincumbiu, uma vez que não logrou comprovar os requisitos para a caracterização do assédio moral. Não houve a comprovação de humilhações e perseguições.

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de pagamento de danos morais.

Honorários de advogado- reparação de danos

Matéria prejudicada, em razão da improcedência dos pleitos.

Benefício da justiça gratuita

Estando preenchidos os requisitos delineados no parágrafo 3º do artigo 790 da CLT defiro ao Reclamante os benefícios da justiça gratuita.

III - CONCLUSÃO

Pelo exposto e tudo o mais que dos autos consta, REJEITO A PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL, ACOLHO A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO QUINQUENAL para pronunciar a prescrição das pretensões com fato gerador anterior a 2/12/2008 e, no mérito, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos constantes da ação trabalhista movida por WALDOMIR DE ANDRADE LIMA em face de CARREFOUR COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA.

Defere-se o requerimento de Justiça Gratuita.

Custas pelo reclamante, calculadas sobre o valor da causa (R$ 251.790,93), no importe de R$5.035,81, das quais fica dispensado por ser beneficiário da Justiça Gratuita.

Cientes as partes.

Nada mais.

 

Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar

         Juíza do Trabalho Substituta