PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO 8ª Vara do Trabalho de Manaus |
PROCESSO: 0011220-86.2013.5.11.0008
RITO: ORDINÁRIO
RECLAMANTE: GILENO JOSÉ DE SOUZA
RECLAMADA: ATIVA TERCEIRIZAÇÃO LTDA - EPP e CEPLACA - COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA (UNIÃO)
SENTENÇA
No dia quatorze de janeiro de 2015, nesta cidade de Manaus, a Juíza do Trabalho Substituta, SHIRLEY APARECIDA DE SOUZA LOBO ESCOBAR, proferiu a seguinte sentença:
I - RELATÓRIO
GILENO JOSÉ DE SOUZA, devidamente qualificado propôs AÇÃO TRABALHISTA em face de ATIVA TERCEIRIZAÇÃO LTDA - EPP e CEPLACA - COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA, também devidamente qualificadas, alegando em apertada síntese que foi admitido pela Litisconsorte em 1/2/1997 como trabalhador braçal; que teve a CTPS assinada somente em 2/1/2009 pela Reclamada, dando seu contrato por rescindido pela via indireta em 26/7/2013. Busca a unicidade contratual com a retificação da CTPS, recolhimento dos encargos previdenciários, pagamento direto do FGTS acrescido de 40% e comunicação ao INSS.
Pretende ver reconhecida a rescisão indireta do contrato de trabalho por exigência de serviço alheio ao contrato de trabalho, ausência de anotação de CTPS, falta de recolhimento de FGTS, ausência de emissão de comunicação de acidente de trabalho e consequente pagamento das verbas rescisórias.
Alega que sofreu acidente do trabalho em 19/4/2004 e pleiteia o pagamento de indenização por danos morais e materiais além da estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91 e honorários de advogado. Deu à causa o valor de R$ 336.870,67 e apresentou documentos.
O Reclamante apresentou emenda da petição inicial para refutar a alegação de justa causa e asseverar que a mudança unilateral de função e local de trabalho fundamentam a rescisão indireta. Alega alteração do contrato de trabalho de rural para urbano após 17 anos de serviços rurais.
Recusada a primeira proposta conciliatória a Reclamada e a Litisconsorte apresentaram contestação.
A reclamada arguiu a prescrição quinquenal e no mérito alegou que é uma empresa de terceirização de mão de obra, que iniciou a prestação de serviços em favor da Litisconsorte em 2009 após vencer uma licitação e contratou o Reclamante em razão de o mesmo residir próximo do local; que a tomadora dos serviços ora Litisconsorte é um órgão federal e que a prestação de serviços do Reclamante teve início em 2/1/2009.
Asseverou que o acidente ocorrido em 2004 foi antes do início da relação de emprego e portanto, não acarreta qualquer responsabilidade pelo mesmo. Asseverou ainda que não houve redução da capacidade laborativa.
No tocante ao término do contrato de trabalho a Reclamada alegou que houve abandono de emprego e que o contrato do Reclamante continha previsão de mudança de função.
Por fim apresentou pedido contraposto de honorários advocatícios e pugnou pela improcedência da ação.
A Litisconsorte (União) alegou inépcia da petição inicial, ilegitimidade passiva ad causam, inexistência de responsabilidade subsidiária, ausência de conduta culposa e inaplicabilidade das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT
Em audiência foram colhidos os depoimentos das partes e de uma testemunha arrolada pelo Reclamante. Sem outras provas foi encerrada a instrução processual com apresentação de razões finais remissivas pela Reclamada e pela Litisconsorte. Foi concedido a requerimento o prazo de 24 horas para o Reclamante apresentar razões finais, sendo certo que não o fez.
As partes recusaram a segunda proposta conciliatória.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Incompetência material da justiça do trabalho
Conforme se verifica das alegações e provas produzidas no processo, o Reclamante prestou serviços para a Litisconsorte sem qualquer espécie de vínculo no período de 1997 a 2008, tendo sido contratado pela Reclamada em 2/1/2009.
A Litisconsorte é órgão federal vinculado ao comando constitucional que obriga a contratação exclusivamente pela via do concurso público.
A Constituição Federal vigente exige a contratação através de concurso público para a Administração direta e indireta (artigo 37, II da CF/88) e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se fixou no sentido de que o vínculo existente entre a Administração Direta e o trabalhador será sempre um vínculo de natureza jurídico-administrativo. Senão vejamos as seguintes decisões:
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. A competência em razão da matéria é estabelecida, de ordinário, pela causa de pedir e correspondente pedido. Estando ambos situados como decorrência de relação de emprego, à Justiça do Trabalho compete processar e julgar o litígio. Sem embargo de tal contexto, a dicção atual e iterativa do excelso STF vem entendendo pela incompetência da Justiça do Trabalho, quando a lide envolve a contratação de trabalhadores pelo Poder Público. Ressalva de ponto de vista do Relator.' (RO-01060-2009-001-10-00-8, Rel. Exmo. Desembargador Federal do Trabalho JOÃO AMÍLCAR, DJ de 19.02.2010)
JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA EX RATIONE PERSONAE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. De acordo com várias decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, inclusive conferindo caráter de repercussão geral à matéria, é a Justiça do Trabalho incompetente para apreciar causas entre o Poder Público e servidor a ele vinculado por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico administrativo. E não há mais possibilidade, no âmbito doserviço público, de contratações de servidores sob o regime celetista. Portanto, deixa esta Especializada de ter competência para julgar a presente ação por envolver servidor do regime administrativo temporário.Proc. TRT RO 1902-75.2012.5.11.0053, Ac. 1ª Turma, pub.DOEJT/AM 20.5.2013Rel.: Desembargadora do Trabalho FRANCISCA RITA A. ALBUQUERQUE
Por todo o exposto, de ofício reconheço a incompetência da justiça do trabalho para análise da relação jurídica havida entre o Reclamante e a Litisconsorte.
O reconhecimento da incompetência da Justiça do Trabalho para a matéria acarretaria a remessa dos autos à justiça comum estadual, entretanto, considerando que o presente feito tramita pelo PJe-JT (processo eletrônico) e a Justiça comum do Estado do Amazonas adota sistema de processo eletrônico que não possui, até o presente momento, interface que permita a remessa eletrônica decido extinguir o feito sem resolução de mérito com fundamento no artigo 267, IV do CPC.
Ressalto que tal decisão é fundamentada nos princípios constitucionais de celeridade e amplo acesso ao judiciário eis que permitirá que o Reclamante ingresse com ação imediatamente na justiça comum, com assistência de advogado e com petição que atenda aos requisitos previstos no artigo 282 do Código de Processo Civil, evitando atrasos e dificuldades geradas pela diferença de sistemas adotados.
Prescrição quinquenal
A Reclamada arguiu a prescrição quinquenal, entretanto o vínculo de emprego com o Reclamante teve início em 2/1/2009, ou seja, não há prescrição a ser pronunciada tendo em vista que a presente ação foi distribuída em 13/9/2013.
Mérito
Unicidade contratual
Conforme evidenciado no processo o Reclamante no período de 1997 a 2008 manteve relação de natureza jurídico-administrativo com um órgão federal e em 2/1/2009 após processo de licitação foi contratado pela Reclamada, empresa prestadora de serviços, que de maneira alguma sucedeu qualquer atividade fim do aludido órgão. Ou seja, não houve um processo de privatização e sucessão na atividade econômica do órgão.
O início da prestação de serviços da Reclamada em favor da Litisconsorte não tem o condão de tornar a Reclamada sucessora da Litisconsorte e por consequência não há que se falar em unicidade contratual.
O Reclamante manteve duas relações jurídicas distintas, a primeira com a Litisconsorte de natureza jurídico-administrativa e a segunda com a Reclamada de natureza trabalhista, regida pela CLT.
Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de unicidade contratual, retificação de CTPS e recolhimentos de FGTS do período de 1.2.1997 a 26.7.2013.
Como consequência do não reconhecimento da unicidade contratual e considerando que o acidente alegado ocorreu em 2004, restam prejudicados os pedidos dai decorrentes quais sejam: indenização por danos morais e materiais e estabilidade prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91.
Rescisão contratual
O contrato de trabalho do Reclamante (id d019d31 - Pág. 2) evidencia que foi contratado para exercer a função de operário rural com previsão de transferência para outro serviço, no qual demonstre melhor capacidade de adaptação e desde que compatível com sua condição pessoal.
A contratação do Reclamante foi levada a efeito para atender as necessidades da Reclamada na prestação de serviços em favor da Litisconsorte e a Litisconsorte em 26/7/2013 comunicou que não tinha mais interesse em contar com os serviços do mesmo a partir daquela data (id 395b2c4 - Pág. 9).
A correspondência da Reclamada (id 636259 - Pág. 1) datada de 28 de agosto de 2013 demonstra a transferência do Reclamante para prestar serviços no Colégio PM da Cidade Novo.
Em depoimento pessoal o Reclamante confirmou que a Litisconsorte não queria mais os seus serviços e que a Reclamada propôs uma nova colocação para trabalho em colégio com as atribuições de lavar banheiro e limpar o pátio e ressalvou que sempre trabalhou na roça e não aceitou vir fazer o novo serviço proposto, sendo que o último dia de trabalho foi em 26/7/2013.
Portanto, a questão a decidir no presente caso é se a alteração da atividade de operário rural para serviços gerais está dentro do poder diretivo do empregador ou representa exigência de serviços diversos do contratado de trabalho e capaz de caracterizar a justa causa do empregador.
Da narrativa contida na petição inicial e não refutada por qualquer alegação ou prova emerge que o Reclamante de fato sempre foi trabalhador rural, ativando-se nas tarefas do campo.
Assim, a alteração de função para serviços gerais em colégio na cidade amolda-se à previsão contida no artigo 483, alínea "a" da CLT de exigência de serviços alheios ao contrato e justifica a rescisão do contrato por justa causa do empregador, pois tal alteração importaria em mudança substancial do serviço a ser prestado e não se coaduna com o histórico ocupacional do Reclamante.
Pelo exposto, julgo procedente o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho e condeno a Reclamada a pagar ao Reclamante aviso prévio indenizado (42 dias), férias vencidas de 2012/2013 acrescida do terço constitucional, férias proporcionais de 2013 (8/12) acrescida do terço constitucional e 13º salário proporcional e FGTS (8% e 40%) sobre aviso prévio indenizado e 13º salário proporcional.
E, julgo procedente o pedido de FGTS acrescido de 40% sobre todo o período laboral e o fornecimento das guias para o seguro desemprego, uma vez que tais obrigações primeiramente são de fazer e somente na inércia convertem-se em obrigação de pagar.
As guias TRCT para saque do FGTS e seguro desemprego deverão ser depositadas pela Reclamada na Secretaria dessa Vara do Trabalho, independente de intimação, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da decisão.
No caso de inércia da Reclamada, havendo depósitos, o FGTS será liberado por alvará e eventuais diferenças e a multa de 40% e as parcelas do seguro desemprego serão liquidadas e executadas na forma da legislação vigente.
As parcelas do seguro desemprego serão liquidadas e executadas também no caso de o Reclamante mesmo com as guias não obter o seguro desemprego pelo decurso do tempo ou por qualquer outro fator de responsabilidade da Reclamada.
Improcedente o pedido de pagamento de saldo de salário de julho de 2013 uma vez que há comprovante de pagamento nos autos (id a848152 - Pág. 1)
Para liquidação das verbas deferidas, foram observados os limites do pedido (art. 128 do CPC) e utilizado o salário mensal de R$ 700,00, conforme demonstrado no contracheque de julho de 2013, último mês trabalhado pelo Reclamante.
Do valor apurado deverá ser deduzido R$ 930,00 já recebidos pelo Reclamante conforme ata de audiência (id . 00e2242 - Pág. 1) e confirmação em depoimento pessoal
Benefício da justiça gratuita
Estando preenchidos os requisitos previstos no artigo 790, § 3º da CLT, defiro ao Reclamante o benefício da justiça gratuita.
Encargos previdenciários e fiscais
Em atenção ao disposto no §3° do art. 832 da CLT, declaro que haverá incidência de contribuições previdenciárias sobre as parcelas deferidas que integram o salário-contribuição, nos termos do art. 876, § único da CLT e art. 28 da Lei 8.212/91, salvo sobre aviso prévio, férias proporcionais + 1/3, e FGTS (8% + 40%).
Os recolhimentos previdenciários de empregador e empregado deverão ser efetuados pela parte demandada, com indicação do PIS ou NIT do Autor, mas autorizada dedução dos valores cabíveis à parte empregada, pois não há repasse da responsabilidade pelo pagamento, mas tão-somente pelo recolhimento. O critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto 3.048/1999, que regulamentou a Lei 8.212/1991, e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição.
O imposto de renda incidirá sobre as parcelas de cunho salarial, acrescidas de correção monetária e deduzidos os juros de mora, que têm caráter indenizatório (OJ 400 da SDI-1). Será calculado mês a mês, nos termos do art. 12-A da Lei 7.713, 22/12/1988, com a redação dada pela Lei 12.350/2010 (item II da Súmula 368 do TST).
Juros e Correção Monetária
A correção monetária incide a partir do vencimento de cada obrigação. Em sede trabalhista, tal momento se dá no mês subsequente ao da prestação dos serviços, como dispõe o artigo 459, § único da CLT e Súmula 381 do TST.
Juros devidos desde o ajuizamento da ação (artigo 883 da CLT), a 1% ao mês (Lei 8.177/91), sobre o valor da condenação já corrigido monetariamente (Súmula 200 do TST).
Honorários de advogado
Os honorários de advogado na justiça do trabalho, para verbas tipicamente trabalhistas têm regramento próprio conforme entendimento consolidado nas súmulas 219 e 329 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, sendo devidos honorários quando houver condenação em verbas de natureza civil conforme inteligência da Instrução Normativa 27/2005.
Versando o presente caso sobre verbas tipicamente trabalhistas indefiro os honorários pleiteados pela Reclamante e da mesma forma indefiro o pedido contraposto apresentado pela Reclamada.
III - CONCLUSÃO
Pelo exposto e tudo o mais que dos autos constam decido reconhecer a incompetência da justiça do trabalho para análise da relação jurídica havida entre o Reclamante e a Litisconsorte extinguindo o processo sem resolução de mérito em relação a CEPLACA - COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA (UNIÃO) e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes da ação trabalhista movida por GILENO JOSÉ DE SOUZA para condenar ATIVA TERCEIRIZAÇÃO LTDA - EPP, nos termos da fundamentação que integra o presente dispositivo para todos os efeitos legais, a fazer e a pagar no prazo legal o seguinte:
Fazer:
Pagar:
Do valor apurado deverá ser deduzido R$ 930,00
Concedido ao Reclamante os benefícios da justiça gratuita.
Juros, correção monetária, encargos previdenciários e fiscais, conforme fundamentação.
Custas pela Reclamada, no importe de R$ 100,00, calculadas sobre o valor arbitrado da condenação (R$ 5.000,00).
Cientes as partes. Dispensada a intimação da União.
Nada mais.
Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar
Juíza do Trabalho Substituta