PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO
8ª VARA DO TRABALHO DE MANAUS
PROCESSO: 0000792-23.2014.5.11.0004
RITO: SUMARÍSSIMO
RECLAMANTE: ANGRA FARIAS ELER
RECLAMADA: MANAUS SERVIÇOS DE CINEMAS LTDA
SENTENÇA
No dia quatorze de janeiro de dois mil e quinze, nesta cidade de Manaus, a Juíza do Trabalho Substituta, SHIRLEY APARECIDA DE SOUZA LOBO ESCOBAR, proferiu a seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
Dispensado o relatório, com fundamento no art. 852-I, da CLT.
II-FUNDAMENTAÇÃO
Da anulação do pedido de demissão
A autora alega que foi admitida pela reclamada em 05/05/2011, para exercer a função de atendente, mediante última remuneração de R$ 770,00 acrescentando que o pacto foi rescindido por sua própria iniciativa (pedido de demissão) em 22/03/2014.
Sustenta que no dia 17/03/2014 faltou ao serviço e como no dia seguinte estaria de folga, somente retornou ao trabalho no dia 19/03/2004, ocasião em que recebeu 3 dias de suspensão como punição. Alega que relatou tal fato nas redes sociais e quando retornou ao trabalho no dia 22/03/2014 foi chamada pela gerente que lhe fez ameaças, coagindo-a a pedir demissão, caso contrário seria dispensada por justa causa, tendo em vista as postagens nas redes sociais.
A reclamada, apesar de devidamente notificada, não compareceu à audiência em que deveria apresentar sua defesa.
Ausente na audiência em que participaria da tentativa de conciliação e apresentaria defesa, a demandada incorreu em revelia, o que implica confissão ficta sobre os fatos alegados na inicial. Tal confissão, é restringida por elementos de prova constantes dos autos e pelas máximas da experiência comum.
A revelia e ficta confessio da ré e a falta de qualquer outro elemento faz presumir que houve vício de consentimento quanto ao alegado pedido de demissão. Com efeito é plausível que a autora tenha se sentido compelida a pedir demissão diante das ameaças efetuadas pela reclamada.
Diante da presunção relativa de veracidade gerada pela confissão ficta reconheço como verdade processual os fatos aduzidos pela reclamante e acolho o pedido da inicial, para declarar nulo o pedido de demissão assinado pela autora e reconhecer que a rescisão do contrato de trabalho deu-se por iniciativa da reclamada, sem justa causa, condenando-a ao pagamento das verbas rescisórias: aviso prévio, férias proporcionais + 1/3 (11/12), 13º salário proporcional (04/12), 22 dias saldo de salário, FGTS (8% + 40%), descontando-se o valor de R$ 708,00 já recebido pela reclamante, em razão da ação de consignação em pagamento, processo o nº 000772-20.2014.5.11.0008.
Da mesma forma julgo procedente o pedido para a entrega das guias do FGTS no cód. 01 acompanhada da chave da conectividade e comprovação dos depósitos do período trabalhado e guias para habilitação no seguro desemprego que deverão ser depositadas na secretaria da vara independente de intimação, no prazo de cinco dias, após o trânsito em julgado.
Na inércia da Reclamada será expedido alvará judicial para saque do FGTS pela Secretaria da Vara e as diferenças de FGTS e o valor do seguro desemprego serão liquidadas e executadas conforme legislação em vigor.
A obrigação de indenizar as parcelas do seguro desempregro persistirá mesmo que a Reclamada entregue as guias mas o benefício seja indeferido por ato de responsabilidade da Reclamada, a exemplo do decurso do tempo.
Do acúmulo de função
A reclamante pleiteia o pagamento de acréscimo salarial, alegando que apesar de exercer a função de atendente que consistia na venda de bilhetes de entrada nos cinemas, também realizava a limpeza nas dependências e salas de exibição da empresa reclamada.
Em depoimento pessoal a Reclamante esclareceu que as atribuições de atendente e as tarefas de limpeza foram destacadas e realizadas desde o início do contrato de trabalho.
O acúmulo de função não encontra previsão expressa em lei, demandando para sua caracterização, dentre outros fatores, que haja uma alteração do contrato de trabalho que imponha ao trabalhador o exercício de outras tarefas além das inicialmente contratadas.
Nos termos do parágrafo único do artigo 456 da CLT, tem-se que na falta de prova ou cláusula expressa a tal respeito, deve se entender que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
A jurisprudência do C. TST aponta o seguinte:
RECURSO DE REVISTA. ACÚMULODE FUNÇÕES. A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que o exercício de atividades diversas, compatíveis com a condição pessoal do trabalhador, não enseja o pagamento de acréscimo salarial por acúmulo de funções, restando remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho. Nesse contexto, não caracteriza alteração lesiva o exercício concomitante das funções de motorista e cobrador dentro da mesma jornada. (...) Processo: RR - 20540-11.2007.5.04.0221 Data de Julgamento: 09/05/2012, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/05/2012
RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS - ACÚMULODE FUNÇÃO (violação ao artigo 468, da CLT e divergência jurisprudencial). A Consolidação das Leis do Trabalho não obsta que um único salário seja fixado para remunerar todas as atividades executadas durante a jornada laboral, sendo que o exercício de atividades diversas, compatíveis com a condição pessoal do empregado, não enseja o pagamento de plus salarial por acúmulo de funções, restando remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho. Recurso de revista conhecido e desprovido. (...)Processo: RR - 512100-73.2007.5.09.0594 Data de Julgamento: 02/05/2012, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/05/2012.
Por todo o exposto, julgo improcedente o pedido de pagamento de diferença salarial e reflexos baseada em acúmulo de função
Das horas extras
Não obstante a revelia e a confissão ficta em que incidiu a reclamada, é certo que esta situação não possui o condão de ensejar, por si só, a presunção de veracidade das jornadas de trabalho apontadas na exordial, haja vista que o labor em sobrejornada constitui uma situação extraordinária, e que, nessa condição, deve ser comprovada
Contudo, não assiste razão a reclamante, pois, diversamente do sustentado pela obreira, os contracheques dos meses de maio/2011 a dezembro/2011, janeiro/2012 a outubro/2012, janeiro/2013 a novembro/2013 revelam o pagamento das horas extras com adicionais de 60% e 110% (Id 1640572 e Id 1640588). Desta forma, entendo que as horas em sobrejornada eram devidamente remuneradas.
Diante do exposto e tendo em vista a ausência de demonstração válida da existência de diferenças de horas extras em favor do reclamante, julgo improcedente o pedido de pagamento de horas extras.
Dos descontos indevidos
A reclamante postula, a título de descontos indevidos, a devolução de R$1.542,80, referente a descontos efetuados pela Reclamada concernentes à diferenças encontradas após fechamento do caixa. A reclamante acosta aos autos diversos recibos para sustentar suas alegações (Id 1640640 e Id 1640713).
A prova documental evidencia que havia descontos por quebra e/ou diferença de caixa (id 1640640 - Pág. 1).
Tal fato somada a confissão ficta da Reclamada impõe o acolhimento do pedido.
Assim, julgo procedente o pedido de devolução dos descontos por quebra e/ou diferença de caixa, nos limites dos recibos trazidos ao processo.
Da multa prevista no artigo 477 da CLT
Diante do reconhecimento da nulidade do pedido de demissão é cabível a aplicação da multa prevista no artigo 477 da CLT, na medida em que a integralidade das verbas rescisórias não foi quitada dentro do prazo legal.
Julgo procedente o pedido
Da multa prevista no artigo 467 da CLT
Em decorrência da revelia e da confissão ficta, deverá a reclamada pagar a reclamante multa de 50% sobre o valor das verbas rescisórias reconhecidas na presente sentença.
Na apuração do valor deverá ser deduzido a importância de R$ 708,00 já recebida pela Reclamante.
Assim, julgo procedente o pedido
Da justiça gratuita
Estando preenchidos os requisitos delineados no parágrafo 3º do artigo 790 da CLT[1], defere-se ao reclamante os benefícios da justiça gratuita.
Dos Recolhimentos previdenciários e fiscais
Nos termos do artigo 114, VIII, da CF compete à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
As verbas deferidas possuem natureza salarial, assim, sobre os valores da condenação há incidências fiscais e previdenciárias, nos termos do artigo 46, § 1º, I, II e III, da Lei nº 8.541/92, artigo 43 da Lei 8.212/91 e Provimentos números 01/1996, 02/1993 e 03/2005 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, respeitando as legislações respectivas, inclusive quanto a limites de isenção e deduções por dependentes econômicos, devendo tais valores ser apurados mês a mês (regime de competência), na forma da Instrução Normativa nº 1.127/2011 da Secretaria da Receita Federal.
Parâmetros para a liquidação
Os pleitos acima deferidos deverão ser apurados por cálculos da Secretaria da Vara considerando os parâmetros descritos.
Sobre as parcelas deferidas incidem juros de mora de um por cento ao mês, calculados a partir do ajuizamento reclamação (art. 883 da CLT) e correção monetária nos termos do art. 39 da Lei 8.177/91.
III – CONCLUSÃO
Pelo exposto e tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes da ação trabalhista movida por ANGRA FARIAS ELER, em face da Reclamada MANAUS SERVIÇOS DE CINEMAS LTDA, para:
a) declarar nulo o pedido de demissão assinado pela autora e reconhecer que a rescisão do contrato de trabalho deu-se por iniciativa da reclamada, sem justa causa;
b) condenar a reclamada ao pagamento das verbas rescisórias: aviso prévio, férias proporcionais + 1/3 (11/12), 13º salário proporcional (04/12), 22 dias saldo de salário, FGTS (8% + 40%), multa dos arts. 467 e 477, §8º, da CLT, descontando-se o valor de R$ 708,00 já recebido pela reclamante, em razão da ação de consignação em pagamento, processo tombado sob o nº 000772-20.2014.5.11.0008;
c) devolução dos descontos indevidos a título de quebra e/ou diferença de caixa
d) multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT.
e) condenar a reclamada nas seguintes obrigações de fazer:
e.1) entregar as guias do FGTS no cód. 01 acompanhadas da chave da conectividade e comprovação dos depósitos do período trabalhado, no prazo de cinco dias, após o trânsito em julgado, sob pena de expedição de alvará judicial para saque do FGTS pela Secretaria da Vara e liquidação e execução das diferenças;
e.2) liberação das guias referente ao seguro-desemprego, cujo depósito deverá ser procedido no prazo de 05 dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de conversão da parcela em indenização substitutiva.
Improcedentes os demais pleitos. Tudo conforme a fundamentação que ora passa a integrar o presente dispositivo como se aqui estivesse transcrita.
Concedido o benefício da justiça gratuita.
Juros, correção monetária, INSS e Imposto de Renda, conforme fundamentação.
Custas pela reclamada, calculadas sobre o valor arbitrado da condenação de R$ 5.000,00, no importe de R$ 100,00.
Ciente a reclamante. Notifique-se a reclamada revel.
Nada mais.
Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar
Juíza do Trabalho Substituta
[1]Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (...) § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.